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Renato Prandina: “Não se faz boa obra com projeto ruim. E não se faz bom projeto sem experiência teórica e prática”

Em artigo para o blog, o engenheiro aponta os problemas e caminhos para melhorar as fases preliminares das obras de construção civil

A partir de sua experiência profissional, o engenheiro Renato Prandina aprendeu que bom projeto e boa obra são indissociáveis. Com participação em licitações de governos municipais, estaduais e federal  e autarquias, concorreu apresentando projetos de engenharia consultiva de básicos a executivos, algumas vezes partindo do zero e, em outras, de soluções que já haviam sido apresentadas anteriormente.

“No início da carreira, licitei apresentando projetos completos. Foi um erro de estratégia, por falta de experiência”, conta Prandina ao blog Cidades sem Fronteiras. Além da importância experiência, outro ponto que chamou sua atenção foi a interferência nos projetos de arquitetura. “Quando temos que aprovar uma solução de arquitetura, dezenas de pessoas ‘se metem’ e, mesmo as com boas intenções, acabam por trazer imposições pessoais”, afirma. No artigo abaixo, ele detalha a importância de bons projetos de arquitetura e engenharia e aponta os caminhos para se conquistar uma cultura capaz de dar a esses estudos anteriores a importância que merecem — estudos que, na visão dele, são tão fundamentais quanto a própria execução da obra.

 

Por que é importante projetar bem antes de construir?

Renato Prandina*

Projetar bem é uma tarefa que requer, de arquitetos e engenheiros, conhecimento atualizado de alto nível. A qualidade, o desempenho e a durabilidade obra de engenharia, tanto de um edifício, quanto de uma ponte ou um túnel, dependem diretamente da qualidade do projeto, que deve atender aos requisitos de normas técnicas e ao avanço tecnológico.

Não há a mínima chance de resultado positivo para uma obra que tenha sido construída com um projeto ruim. Má concepção da solução arquitetônica e estrutural, cálculo ruim, omissões de informações relevantes, inexperiência do projetista com métodos construtivos, materiais construtivos mal especificados, falta de drenagem (é, vai chover !) e as próprias técnicas adotadas nos projetos, não observação de normas técnicas, má fiscalização da obra e mau construtor/empreiteiro, que não ponha na obra um profissional de engenharia ou arquitetura experiente e bom controlador, em geral, levam a falhas grotescas como a que ocorreu na ciclovia do Rio de Janeiro neste ano.

 

A cidade já acometida por uma série de horrores: os edifícios Palace II (1998) e Liberdade (2012) desabaram deixando vítimas fatais. Nos dois casos, falhas grotescas de projetos, somadas a pelo menos mais dois fatores dos listados acima, causaram as tragédias, sem contar os prejuízos econômicos gigantescos, e muitas vezes impagáveis.

Em geral, um bom projeto é elaborado por um profissional que conhece a prática de obras e tem alto nível em engenharia. Sem a dupla experiência, prática e teórica, há possibilidade de falhas. E como se constrói a capacidade de um profissional de engenharia na área de projetos ? O recém formado engenheiro encontrará funções iniciais, no acompanhamento de obras em equipes, integrados a outros profissionais mais experientes. O aprendizado é rápido. Os profissionais de engenharia têm alta capacidade de assimilação. Mas é preciso o contato com a obra.

Diversos profissionais renomados e instituições apontam que a cultura de projetar bem no Brasil está prejudicada há muito tempo. Eles estão absolutamente certos. Há, claro bom profissionais, mas o fato é que sua influência é sempre menor que a do empreiteiro ou do político. Isso é um absurdo. Projeto é muito importante, porque determinará, a partir de suas decisões e especificações, o custo de construção e quanto tempo haverá de vida útil.

Sempre que se economiza em projetos, se perde na obra. No entanto, as escalas podem variar entre 20 e 100 vezes. Um bom conjunto de projetos pode custar entre 5 e 15% da obra, incluindo-se os estudos de engenharia que dão subsídio aos projeto, como topografia, sondagens, estudos ambientais, etc.
Outro ponto importante: prazos. Já fiz doze projetos, de doze cidades diferentes em apenas 45 dias. Respeitei o contrato. Mas isso é um outro absurdo! Quando conto isso para profissionais do exterior, ficam meio desconfiados. Todo o ciclo de estudos e projetos (as suas fases: preliminar, básico e executivo) é para ser realizado em um ano, se a obra estiver prevista em dois anos anos. Não dá para ser em dois meses! Assim é no exterior, pelo menos no primeiro mundo. Então, vinculemos o prazo de projetos ao prazo de obras.

Falando em primeiro mundo, por lá não se constrói sem conhecimento preciso do terreno. O relevo determinará como a água vai interferir com a obra. Portanto, uma topografia de alta precisão será fundamental para que os custos sejam corretos. Economizar na topografia é pedir para ter confusão. Sondagens que coletam amostras de solos e rochas vão influenciar nos volumes de materiais que serão transportados, sabidamente os principais “vilões” das planilhas de custos. Quantas vezes verifiquei omissões propositais em distâncias de transporte nos projetos? Já inspecionei projetos de algumas empresas encrencadas que falhavam exatamente aí. Qual é, pessoal? Todo mundo já sabe. Ainda mais com os tribunais de contas (TCU, TCE’s e outros) exercendo controle.

Sondagens corretas de solos e rochas geram fundações bem calculadas. Se errar aí, haverá variações sempre inaceitáveis. Todo mundo perde. Como podemos melhorar nossas obras? Minha sugestão é que obras de infraestruturas sejam concebidas por empresas especializadas, mesmo que internacionais, em cada tipo de obra. Por exemplo: quer-se construir uma ponte que ligue uma determinada região para melhor o tráfego. Bom, em primeiro lugar, quem falou que a ponte é a melhor solução ? O que se quer é uma nova ligação viária. Ou seja, como se decide objetivamente por uma ponte ou um túnel ?

Muitas vezes, essa obra poderá e deverá ser aproveitada no futuro para receber uma adutora, por exemplo, ou outro tipo de acréscimo de uso. Como sabemos, o atual projeto do Túnel Santos-Guarujá era antes uma ponte. Como garantir que empresas nacionais tenham participação relevante? Um caminho seria que empresas especializadas apresentem suas propostas de concepção e custos com as listas de impactos ambientais. Em seguida, seria licitado o estudo de viabilidade, e a vencedora deveria ser obrigatoriamente nacional, mas considerarando a participação de pelo menos cinco proponentes, internacionais ou não, para auxiliar na produção do que se chama no exterior de Life Cycle Cost Analysis, ou seja, Análise do Custo do Ciclo de Vida do Projeto do estudo de viabilidade.

Esse conceito é o custo total da obra, inclusos impactos ambientais, manutenções e operações convertidos em valores financeiros através de critérios consagrados. É claro, as proponentes internacionais ficarão obrigadas a garantir esses números de custo. Farão isso por meio de apólice de seguro de longo prazo, por exemplo. A proposta escolhida no estudo de viabilidade será remunerada com royalties em relação ao valor da obra. Se o valor final da obra for exato, as empresas receberão um percentual e um prêmio. Se houver diferenças grandes, a empresa perderá remuneração.

Projetos Básicos e Executivos serão licitados com inspeção obrigatória tanto da autora da concepção quanto com a autora do estudo de viabilidade. Em todas as fases, as empresa serão remuneradas. Quem falou que projeto é de graça? Quem falou que projeto não dá trabalho? Pelo contrário, projeto de alto nível dá muito trabalho.

Outro ponto: a importância da remuneração dos contratados. Mas, infelizmente, qual empresa de projetos hoje que não tem dinheiro atrasado para receber na praça, seja micro, pequena ou grande empresa? As pessoas no Brasil consideram os salários dos engenheiros e dos técnicos sagrados. Porém, se as empresas de projetos não forem pagas, a conta não vai fechar.

Tudo isso explica a atual lacuna de vinte, trinta anos de ausência de uma cultura de projetos. Lembrando que os legisladores brasileiros não permitiram que empreiteiras das obras façam os projetos dessas suas próprias obras, por razões óbvias. Apenas com muito trabalho, responsabilidade e alto nível de projetos avançaremos para o que se faz no exterior, no primeiro mundo. Do contrário, ficaremos contando obras que desabam e passando vergonha.

* Renato Prandina é doutorando em engenharia civil pela Universidade de Ottawa, Mestre em Geotecnia pela UnB (2000), professor de engenharia de transportes e geotecnia, ​tendo sido aprovado em vários concursos públicos, ​ publicou diversos trabalhos em congressos internacionais, e atuou ​entre 1999 e 2013​ no mercado de projetos de engenharia público e privado, tendo ​sido autor e ​ projetado centenas de obras de edifícios e infraestruturas para diversas empresas, inclusive as maiores do país.



Publicado em 18 de maio de 2016 / http://veja.abril.com.br


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