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Setor elétrico: lições estratégicas da China para o Brasil

“Se quer plantar para poucos dias, plante flores. Se quer plantar por muitos anos, plante uma árvore. Se quer plantar para a eternidade, plante ideias.” Proverbio Oriental. 

 O atual século reflete o rápido desenvolvimento estratégico da política energética da China. Os investimentos em energia sob um cunho geopolítico chinês incluem projetos energéticos, parcerias e aquisições de empresas em países ao redor do mundo, fortemente na América do Sul e sobretudo no Brasil. A China, hoje, é um peso pesado no setor de energia global com um menu diversificado de fontes energéticas na sua matriz: petróleo, gás, carvão, nuclear, eólica e solar.

Esse país, seguindo sua meta estratégica, mesmo sob uma pressão mundial de diminuição das emissões de CO2, produz e consome muito carvão. Essa fonte responde por cerca de 60% de sua matriz energética, contra 25% para a média mundial. Assim, por consequência, a China também é campeã da poluição do ar. A qualidade do ar em certas cidades chinesas é muito ruim. Mas para que o crescimento econômico fosse acelerado, como ocorreu nas últimas décadas, o suprimento energético para atender à industrialização talvez tenha sido propositalmente planejado, sem priorizar as consequências maléficas em relação ao clima do planeta e até mesmo em relação à saúde de sua população. Parece que foi uma tática que o país, em uma primeira fase, programou: crescimento econômico com altas taxas do PIB, uma forte industrialização e utilizando fontes energéticas tradicionais.

Em um segundo momento, dentro de seu planejamento energético, implementou investimentos em energias renováveis. Atualmente a produção de energia solar da China mais que dobrou em 2016, sendo os chineses os maiores geradores mundiais de energia solar em termos de capacidade. Cabe ainda assinalar que a China é também um líder mundial em termos de plantas instaladas de energia eólica. O resultado é que hoje os chineses são os maiores produtores e consumidores mundiais de energia.

Um outro segmento importante, para exemplificar como a China tem um planejamento energético estratégico, é a sua inserção no chinamercado mundial de petróleo. A China tem um nível de importação mensal de petróleo que oscila entre 8 a 9 milhões de barris/dia e usou com habilidade a diversificação de seus fornecedores. Hoje os chineses tem 03 grandes fornecedores: Rússia, Arábia Saudita e Angola. Além desses, também exportam petróleo para a China o Irã, o Iraque e Omã. Enfim, há um leque de fornecedores que traz uma maior diversificação na cadeia de fornecimento (1)

Dentro das estratégias externas da China, o Brasil é um país que atrai um forte interesse das empresas chinesas. A Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China aponta que, em relação aos segmentos de petróleo e energia elétrica, já existem empresas chinesas bem posicionadas, como a CNPC e CNOOC que, inclusive, são sócias da Petrobras. Observa-se, ainda, que as petroleiras chinesas Sinochem e Sinopec também buscam aportar mais investimentos no Brasil.

No setor elétrico brasileiro, a State Grid e China Three Gorges cresceram rapidamente a sua participação no ranking das empresas chinesas que atuam nesse segmento. Os movimentos empresariais chineses são tão rápidos que fica difícil acompanhar as alterações no mapa das participações das empresas chinesas no país. Em 2016, por exemplo, a State Grid, adquiriu a CPFL. A China Three Gorges comprou hidrelétricas da Cesp e ativos da Duke Energy. Em junho desse ano, a Eletrobras informou ao mercado que a Eletrosul e a Shanghai Electric Power Transmission and Distribution Engineering assinaram acordo preliminar, envolvendo a transferência de projetos de transmissão de energia no Rio Grande do Sul. A State Power Investment Corp (SPIC) sinalizou à Cemig e à Odebrecht, que compartilham o controle da usina, o interesse por uma parte na hidrelétrica de Santo Antônio(2).

Segundo a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, há outras empresas chinesas menos conhecidas do mercado brasileiro que se interessam pelo nosso mercado energético, como Huaneng, Huadian, e Guodian. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, Sr Charles Tang, declarou: “com ou sem Lava Jato, a China investe aqui por várias razões: ocupar mercado, ter lucro, exportar sua capacidade excedente, assegurar recursos estratégicos, e por razões geopolíticas internacionais” (Reporter Brasil, 2016).

No setor hidrelétrico, o interesse dos chineses fora das suas fronteiras é grande. A diretora da ONG Internacional Rivers, Stephanie Jensen-Cormier, afirmou que “as empresas estatais chinesas ficaram muito sofisticadas e competitivas na construção de grandes projetos hidrelétricos”. Hoje as empresas chinesas estão envolvidas em mais de 330 projetos em 85 países. (Reporter Brasil, 2016).

Em suma, analisar o segmento energético chinês é entender como se faz um planejamento sob a tônica da estratégia de longo prazo que favoreça o país.

E no setor energético brasileiro? Há estratégias que trazem benefícios para a sociedade brasileira no longo prazo? Afinal o Brasil tem uma tradição de planos de longo prazo que trouxeram resultados importantes. Tem riquezas energéticas também diversificadas. Mas, ultimamente, as decisões no setor elétrico têm buscado solucionar, na maioria das vezes, questões de curto prazo e sem amplos debates com todos os atores envolvidos. A dimensão geográfica do Brasil exige que ações que envolvem a indústria de energia e que trazem reflexos a regiões, estados e localidades devem ser debatidas com as instituições representativas desses locais, sobretudo em um pais que se diz democrático. Mas a centralização de decisões no Brasil é uma tradição.

São decisões que parecem sujeitas às ideias de alguns executivos, consultores que atendem à orientação política de um governo. Não há uma visão estratégica de Estado. Nos anos 90 havia um movimento liberal no setor elétrico mundial. E os países como o Brasil seguiram esses processos. Afinal, havia uma referência de países que estavam nesse caminho na abertura ao mercado do setor elétrico. O próprio Banco Mundial estava envolvido nessa trilha de liberalização do mercado energético. Atualmente a grande referência de política energética mundial é implementar projetos energéticos sem contribuir com o aquecimento global. A sustentabilidade ambiental é o principal vetor que comanda as decisões de política energética. O desafio é conjugar custos acessíveis, segurança energética e menor emissão de CO2.

Nesse sentido implantar reformas estruturais no setor elétrico somente é compreensível se essas premissas estão no entendimento dos responsáveis pelas proposições de reformas.

No Brasil, após as mudanças estruturais do setor elétrico brasileiro nos anos 90, a busca foi sempre ajustar as regras de comercialização e buscar recursos para cobrir rombos financeiros das falhas regulatórias. Mesmo no chamado “Novo modelo do setor elétrico” estabelecido em 2004 as alterações ao modelo anterior não se constituíam de grandes linhas estratégicas e sim de ajustes regulatórios.

Em tempos passados, o país traçava ações e planos estratégicos de desenvolvimento que se tornaram referências para pesquisas. A par de quaisquer controvérsias ideológicas, somavam-se experiências. Temos vários exemplos a partir do Governos Vargas e Juscelino e dos próprios governos militares. Em suma, há soluções que são propostas e atendem a determinados segmentos com maior poder junto ao Executivo. A Lei n.º 12.783/13, que criou regras para a renovação das concessões de geração e transmissão de energia, oriunda da Medida Provisória (MP) 579, é um exemplo, amplamente divulgado, do segmento ao qual a lei interessava.

No momento a Nota Técnica “Aprimoramento do Marco Legal do Setor Elétrico” que embasou a Consulta Pública nº 33 de 05/07/2017 encerrada em 17 de agosto é também um exemplo de proposta com pouco tempo de amadurecimento. Considerada como mais uma Reforma no setor elétrico constitui-se de novas regras regulatórias, incluindo dentro dessas regras, a venda de usinas com reservatórios do Grupo Eletrobras . O item que explicita o assunto é denominado “Proposta de descotização e privatização das usinas cuja energia é atualmente comercializada pelo regime de cotas de garantia física e de potência”.

A falta de visão estratégica nessa intenção é o não entendimento que a fragmentação da coordenação na exploração da grande diversidade hidráulica existente entre as regiões do país é um risco. A organização estrutural existente foi criada por profissionais altamente qualificados que planejaram o parque hidrelétrico brasileiro. Com o tempo, as empresas federais estatais foram se desenvolvendo e funcionando como verdadeiras agências regionais. Quaisquer ajustes para corrigir as distorções para a atuação plenamente dessas empresas, sob esse papel, devem ser implementadas dentro da visão da estratégia e soberania nacional. Essas geradoras federais devem ser o equilíbrio das realidades regionais heterogêneas do País dentro de um sistema de mercado com projetos distintos. Essas plantas com reservatórios fazem parte de um contexto dos múltiplos usos da água, que, além da geração de eletricidade, envolve o abastecimento público, o saneamento, o transporte fluvial e os sistemas de irrigação. Essas funções devem ser monitoradas sob uma ótica das características regionais por instituições comprometidas com a sociedade brasileira para fazer o melhor uso da água disponível.

Em adição, as plantas hidrelétricas com reservatórios terão a função de back-up das usinas de geração intermitentes, permitindo a expansão, em grande escala, trazendo mais segurança ao sistema elétrico, com menos custos e menos emissões. Assim, essas plantas, que são joias raras do setor elétrico do Estado brasileiro, estão sendo consideradas como ativos a serem privatizados. Mas, na realidade, o objetivo dessas vendas é abater uma ínfima parcela de um grande déficit fiscal nacional. Um patrimônio nacional será queimado e a dívida financeira nacional continuará nos mesmos patamares. Mais uma vez serão decisões de curto prazo.

O controle dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras estão hoje sob o regime de cotas. A decisão de haver vários proprietários, em uma fase de transição para uma matriz com muitas fontes intermitentes, exige um amplo debate com muitas Associações, Instituições, Universidades, entre outros. Na visão técnica, sob a ótica do setor elétrico, essa decisão não pode ser de afogadilho.

A China é um país que traz um exemplo significativo de como implantar estratégias de longo prazo para o setor energético, sob o foco da segurança nacional. O Brasil precisa aprender com os chineses, pois falta um espírito estrategista que vise à segurança energética e à soberania nacional.



Publicado em 24 de agosto de 2017 / infopetro.wordpress.com


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